Friday, August 17, 2007

Histórias Incompletas

Um dia os dois se encontraram e ele ficou obcecado por aquela ruga no canto esquerdo da boca dela. Não existia a tal ruga na última vez que eles haviam se encontrado. Tudo bem que já fazia alguns anos, e ele mesmo havia desenvolvido involuntariamente uma barriguinha indesejável. Mesmo assim, a ruga no canto esquerdo da boca não encaixava com todas as imagens que ele guardava em algum canto escuro do cérebro. "Deve ser porque ela ri muito", concluiu. E se despediram sem marcar novos encontros.

Naquela mesma noite, ele sonhou com ela. Os dois se encontravam e se beijavam como se aquela fosse a situação mais natural do mundo. Ou melhor: como se aquilo nunca houvesse deixado de acontecer. Quando acordou, ele sentiu a frustração de deixar pra trás um sonho bom, do tipo que gostaria que fosse realidade. Foi assim que percebeu que ainda a amava.

Se o mundo fosse um episódio de enlatado americano, ele teria ligado pra ela e os dois teriam se encontrado e todos seriam felizes para sempre. Mas como o mundo é muito mais caótico e incompleto e irônico que a vida de fácil resolução dos seriados de TV, ele não a procurou, não buscou seu endereço ou seu telefone, não fez serenata em frente à sua janela, não jogou pedrinhas na sua varanda, não impediu o padre na hora que ela disse sim pra outro, não se jogou da ponte quando ela ficou grávida, não jurou amor eterno mesmo que ela estivesse nos braços de outro, não rolou na rua brigando com seu rival. Ao invés disso, seguiu a vida e também conheceu alguém pra casar e ter filhos e fazer todas aquelas atividades de fim de semana com a família.

Só que ele guarda um segredo - e, na verdade, ela também. É que debaixo de camadas e camadas de cotidiano, ela ainda existe dentro dele: um pedaço minúsculo do passado que insiste em se fazer ouvir de vez em quando.

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