Wednesday, October 26, 2011

A benfeitora de Copacabana

Sou fascinada pelas janelas de Copacabana. Sendo criada na chamada "zona rural do Rio" (a tal da zona  oeste), tudo o que via da janela do meu quarto eram tediosas árvores, um pedacinho do mar da Barra, alguns mico estrelas enxeridos (alguém aí sabia que eles foram trazidos do nordeste pra cá, e são uma das razões da extinção do mico-leão dourado?), vários pássaros, de vários tamanhos e cores, algumas joaninhas - que depois sumiram de vez faz uns dez anos - e muitos camaleões. Eu tinha uma vida bucólica, mas tudo o que queria era atravessar a rua e comprar pão, desejo impossível na minha antiga casa, distante de qualquer comércio. Mas as janelas de Copacabana, essas são cheias de vida, cheias de gente passando por detrás delas, cheias de móveis e decorações que eu quero tanto bisbilhotar, cheias de redes de segurança e gatos que se encostam a elas buscando sol, cheias de toalhas e roupas manchadas quarando na luz. São janelas de gente que eu não conheço e que vive há menos de dez metros de mim. 

Se eu pudesse, se fosse invisível ou pelo mais cara de pau, eu me apoiava nos parapeitos como aquelas velhinhas da avenida Nossa Senhora, e ficava vendo o mundo se mover na rua e nos apartamentos da frente. Nas centenas de casas espremidas, com famílias de dois, três, quatro ou mais pessoas. Eu ficava assistindo anônima ao teatro anônimo desse bairro cheio de tanta gente sozinha. E acho que devo mesmo ter cara de quem que quer participar, porque as velhinhas de Copa, esse sindicato não organizado, elas sempre me param para pedir informação ou ajudar a atravessar a rua. E sendo eu eternamente carente de boas ações, ajudo cheia de vontade e prontidão as senhorinhas, inclusive estendendo meu braço amigo não até a outra calçada, mas até a entrada do edifício buscado. Eu sou a benfeitora de Copacabana.

Deve ser porque tenho medo de que São Jorge venha me cobrar a juros a promessa que fiz a ele e não paguei. Prometi que ia dar uma certa quantia todos os meses a alguma instituição de caridade se por acaso conseguisse alcançar a tão sonhada promoção. A promoção foi alcaçada, embora o aumento não tenha sido tanto assim, a ponto da minha contribuição voluntários ser dada sem esforço. Ou seja: to sempre devendo na praça; como é que eu vou dar aos pobres, então? Se bem que, pensando a respeito, dá pra concluir que se promessa fosse fácil, não seria nunca dívida. Faz parte da premissa da promessa (incrível essas duas palavras juntas) que ela seja suada. Se não, que graça tem pro Santo? Como é que eles vão se divertir vendo a gente prometendo coisas tão fáceis? Isso ser mais tedioso que casal feliz em novela. A gente vê a novela pra ver os outros sofrendo e só conquistando a felicidade no final, certo? Pois é, desconfio que é o mesmo com o santos. Nós, terráqueos e terrenos, somos a novela dos deuses.

Talvez da próxima vez que uma velhinha em Copacabana me pedir ajuda pra atravessar a rua, eu deva pedir em troca um pequeno auxílio em espécie, pra poder cumprir a minha meta e não desagradar São Jorge. talvez as mais carolas se apeguem à minha causa e contribuam com a promessa nunca paga.

Ou talvez seja o fim da Benfeitora de Copa. Morta a bengaladas na esquina da Bolívar com Barata Ribeiro.  

Monday, October 24, 2011

Claque Mental

Uma das coisas que demorei a aprender, mas finalmente entendi: toda comédia é uma tragédia, a diferença está na claque. Aquele risinho eletrônico que marca as piadas de sitcoms e esquetes de humor, sabe qual? Tire as claques de um episódio de Seinfeld e você só vai ver constrangimento, desgraça, deslealdade e alguns dos sete pecados capitais. Mas, graças à claque, no final é só diversão.

É por isso que ando tentando desenvolver a claque mental. Eu, que já usei o mantra mental, a música-tema mental, agora estou partindo pra esse novo modo cognitivo comportamental de ver o mundo. Uma risadinha muda tudo, mesmo que seja na forma de humor negro.

A claque mental é a salva de palmas pra quem está se sentindo um palhaço. Se a vida te dá uma piada ruim, faça uma pirueta, coloque a dentes postiços e assuma a sua posição de diversão alheia. Alguém deve estar rindo, em algum lugar do universo. Projete a sua performance pra esse espectador misterioso - Deus, seu anjo da guarda, Chico Xavier - e tente ouvir a claque. Ela está lá, é só procurar.

Claro que sempre existe a possibilidade de se levar a sério. Confesso que já tentei isso também, mas foi tão ridículo que desisti rápido. Pelo menos a claque mental dá mais dignidade. 
A gente é palhaço, mas é limpinho.

Friday, October 21, 2011

Rivotrilling the day

Cada vez mais conheço gente normal que toma tarja preta. E, na mesma proporção, conheço gente histérica que não toma nada controlado. O que me fez pensar que os remédios proibidos são muito menos aterrorizantes do que eu imaginava tempos atrás.

É claro que se o bicho é controlado, ele deve fazer um efeito forte. Não to falando pra todo mundo sair por aí se enchendo de rivotril e prozac! To dizendo que de repente é bom a gente abrir um pouco a mente pra esse tipo de medicamento. Quem sabe se todo mundo tomasse rivotril direitinho, como manda a prescrição, mais gente ia dar abraços grátis no centro do Rio? Ou ajudar a salvar as baleias? Ou simplesmente não ia ficar atazanando a vida alheia só porque acordou mais uma vez cheio de azedume no coração?

Hoje, aqui em Copa, faz um dia lindo. Daqueles de céu azul com poucas nuvens, e ainda um friozinho desse resquício de inverno (inverno? não é primavera? pois é, mas faz frio no Rio). Pensei em fazer um cartaz de Free Hughs e circular pela Nossa Senhora de Copacabana. Mas é que eu não gosto muito de contato humano com gente que não conheço.

(Parênteses inúteis: quando estava em Madri, tinha uma galera do Free Hughs na Plaza del Sol. Fiquei louca de vontade de ir lá e dar um abraço naqueles caras, mas a vergonha me segurou. Me arrependo mortalmente de não ter ido. Afinal, viagem serve pra isso, né? Pra fazer coisas que você nunca toparia na sua terra natal. Maria Arrependida mode on).

O dia em Copa está na categoria Rivotril. Pra mim, parece que todo mundo topou o remedinho. Ta todo mundo feliz. Ta todo mundo dando passagem pras velhinhas de bengala. Uma coisa bonita de se ver.

Então, se você é neurótico, histérico, azedo, se você é daqueles (daquelas, né? São sempre mulheres...) que entram nesse blog só pra deixar um comentário amargo, vai por mim: toma um rivotril. Prometo que você vai terminar esse dia dando um abraço no seu porteiro.

Thursday, October 20, 2011

Maria Arrependida

Cansei de gente que não se arrepende. Já viu aquele povo que responde em entrevistas que não faria nada de diferente se pudesse voltar ao passado? Ou que diz que só se arrepende do que não fez? Pois é, não confio nessas pessoas. Eu sou do tipo que mudaria uns dez itens desde a hora que acorda até o almoço. Se não pelo erro, pelo menos que fosse pela possibilidade de experimentar diferente. Sou do tipo que sai de uma discussão pensando: "naquela hora deveria ter dito isso ou aquilo". As frases mais espirituosas vêm mais tarde, com delay. Eu sou um andróide com movimentos retardados.

Só que se arrepender dá um trabalho danado. Porque quando a gente percebe o arrependimento, tem que fazer alguma coisa em relação a isso. Tem que corrigir, de alguma maneira. E aí que começa a parte cansativa.

Hoje eu já fumei dois cigarros. Arrependimento. Prometo não fumar mais nenhum até o final do dia (essa é uma mentira, mas vamos lá: autoengano, às vezes, dá resultado). Não fui à academia de manhã, mas ainda posso ir à tarde. Não comecei a escrever o meu livro genial, que está prometido a mim mesma há uns dez anos. Bebi demais outro dia e falei o que não devia. A lista é longa, se a gente correr de hoje até o minuto em que comecei a ter consciência de que posso me arrepender. Faz o quê, uns trinta anos? Talvez mais.

Tem também o pseudo arrependimento. Aquele que parece um arrependimento, mas que depois revela que tentar mudar vai fazer a emenda sair pior que o soneto. No pseudo arrependimento, a gente tá ferrado de vez, porque virando à esquerda ou à direita, vem merda pela frente.

E tem também o arrependimento de micro segundos. Aquele que nasce logo após a gente dizer ou fazer algo que se revela instantaneamente errado - quase tão rápido quanto o cara que buzina quando o sinal abre. Nesse tipo, meus amigos, eu sou medalhista de ouro.

Mas voltando a gente que não se arrepende: tenha medo desses. Esses se consideram perfeitos. Esses não se dão as chibatadas existenciais necessárias pra qualquer crescimento pessoal. E lidar com gente que não se chicoteia dá um arrependimento enorme de não ser surdo.

Tuesday, October 18, 2011

A Louca das Calorias

Parar de fumar depois dos trinta significa parar também (por um tempo, vá lá) com quase todos os outros prazeres da vida: chocolates, álcool, massas, etc etc etc. Quem para de fumar depois dos trinta tem que começar a fazer dieta e a correr imediatamente depois de largar o cigarro. É claro que eu não fiz isso, engordei uns 3 quilos, e aí a sirene da vaidade começou a gritar.

Foi quando eu decidi baixar um contador de calorias no meu iPhone, pra poder monitorar de perto tudo que estava entrando nesse corpinho que a terra há de comer (e que seja bem comível antes disso). Sendo uma virginiana de primeiro decanado que, traduzindo os jargões astrológicos, quer dizer que nasci neuroticamente metódica, a ideia de anotar tudo o que como me pareceu viável. Anotaria também os gastos calóricos com exercícios e outras atividades menos úteis, tipo ficar sentada vendo televisão.

Em pouco tempo eu me tornei a Louca das Calorias. Conferia cada embalagem de comida que me passava nas mãos, e fazia perguntas pro meu marido do tipo: "Quantos gramas de bolo de carne você acha que eu comi no jantar?". Eu fui me tornando, pouco a pouco, uma pessoas mais magra e mais maluca.

Confesso que ainda hoje vivo dias de obsessão. É que meu plano de perder peso deu certo (perdi um quilo em duas semanas, e ele nunca mais voltou!), e mesmo que de vez em quando eu vire uma psicopata das quantias energéticas, eu guardo a maluquice pra mim e não fico atazanando os outros com isso.

No fim das contas, tudo é culpa da TV de LCD. Porque ela achata a silhueta dos atores que não estão em canais com transmissão HD, o que faz com que os pobrezinhos, que já não são bons de cabeça - afinal, são atores - fiquem esqueléticos, o que gera a busca de um ideal de beleza de anoréxicos. Todo um padrão estético baseado em um erro tecnológico.
O mundo tá mesmo uma zona.

Monday, October 17, 2011

Promessas não cumpridas

Depois de dois meses e um dia sem escrever, resolvi que está na hora de dar as caras pelo meu quase esquecido blog. Mas esquecido só pra mim: durante a minha ausência, mais de dez pessoas passaram a seguir o Poça D'água, o que caracteriza um fenômeno que eu nunca entendi muito bem. De todos os seguidores, apenas um é meu amigo. Os outros me acharam na internet por acaso, talvez através da pesquisa sobre Rivotril. O fato é que chegaram e ficaram e, pra esses e pra todos, obrigada.

Tem também os que passam aqui pra me xingar, e isso eu acho bem engraçado. Coisa de gente que quer pesquisar a minha vida - e esse povo eu conheço muito bem. É o lado ruim de ter um blog: você conta um pouco ao mundo sobre como enxerga o cotidiano, e automaticamente torna-se alvo de um milhão de julgamentos, pro bem e pro mal. Faz parte.

Bem, em dois meses dá tempo de fazer muitas promessas e descumprir quase todas. Dá tempo de ler uns três ou quatro livros e sonhar com uma nova carreira, e perceber que depois dos trinta, se a gente quer uma carreira nova, tem que sair correndo atrás do preju. Me sinto como se tivesse 24 e não 34, mas nem isso muda a minha data de nascimento.

E agora eu tenho tempo suficiente pra escrever mais, e pra ler mais e pra ver mais filmes. Aliás, agora tudo isso faz parte da minha profissão, olha que maravilha. Mas não tenho tento tempo pra escrever no blog, o que é realmente uma pena, mas é algo real.

Mas como eu sou a campeã de fazer promessas que eu nunca vou cumprir, prometo aqui voltar a escrever. Pelo menos uma notinha todos os dias - que que custa, né
Vamos ver se pelo menos essa eu cumpro...