Wednesday, October 31, 2007

Domingo de sol

Eu adoro São Paulo. Gosto de passar fim de semanas insanos, de quase não dormir em 48h de noites paulistanas, de visitar a Liberdade e comprar sapatos totalmente dispensáveis na Galeria Ouro Fino. Mas não troco, por nada nesse mundo, o Rio de Janeiro. Nem por NY, nem por Paris. Sou viciada demais nas situações da minha cidade.

Domingo acordei com a voz rouca de incontáveis cigarros da noite anterior. Ainda com a voz cavernosa, telefonei para o número certo, que iria me proporcionar programas divertidos e baratos. E aí, peguei o carro e me mandei pra Santa Teresa, pra almoçar frutos do mar em um restaurante cheio de artesanato do nordeste.

Próxima parada: Paineiras. Meu guia me avisou que a boa não é aquele cano grudado na pedra que nego chama de cachoeira, e sim uma trilhazinha no meio do mato, subindo pedras e passando por teias de aranha. Mesmo chiliquenta e totalmente urbana, decidi inovar e aceitei o desafio de me embrenhar mata adentro, e o resultado foi um banho revigorante em águas totalmente geladas. Diz a lenda que a cachoeira tem um código secreto em que dois grupos desconhecidos nunca se encontram: quando sobe uma primeira galera, os outros ferquentadores só aparecem no momento da descida. Toda a organização é feita metafisicamente, através da mística das águas do Parque Nacional Floresta da Tijuca. Quando eu voltava ao asfalto das Paineiras, não deu outra: encontrei um casal subindo, pronto para pegar o nosso posto. Achei incrível.

Depois dei um pulo no Parque das Ruínas pra ver uma exposição moderninha, e aproveitei pra tirar fotos do céu de Santa e ainda comer um salgadinho natureba. E mesmo com toda a intensidade da programação, ainda estava sol. Fiquei com muita vontade de aproveitar mais os dias que as noites nos fins de semana - mas a verdade é que sempre me rendo ao primeiro telefonema nortuno, e acabo acordando muito tarde no dia seguinte.

Mas fala sério, é ou não é uma cidade incrível o Rio de Janeiro?
Deixa eu pegar o crachá aqui na bolsa.

Tuesday, October 30, 2007

State of Emergency

Hoje eu estava lendo o blog da Kamille quando me deparei com esse texto maravilhoso sobre o show da Bjork. E fiquei com vontade de escrever sobre música e sobre como a minha vida é toda baseada em sons, e até o meu tempo é dividido por canções: com essa eu vou arrumar a cama, com essa eu vou preparar o meu sanduíche/jantar e com essa eu vou ficar lendo, deitada na cama.

(Agora estou ouvindo She's leaving home, dos Beatles.)

Eu fui no show da Bjork. Numa puta má vontade, é verdade, mas fui. Já vi a cantora outras duas vezes - minha estréia no FreeJazz, inclusive, foi na apresentação dela, em longínquos 1996, quando eu ainda era jovem. Dessa vez eu achei que o show não ia ser nada demais, porque nem gostei tanto assim do disco Volta, e comprei só porque uma amiga estava na fila e se ofereceu pra comprar pra mim.

(Agora estou ouvindo The warning, do Nine Inch Nails.)

Ainda bem que eu fui, ainda bem. Acho que não existe situação mais específica em que eu sinto a alma satisfeita que depois de assistir a um bom show. Exceto, talvez, algumas vezes em que leio uma certa passagem realmente incrível de um livro (acontecia toda hora com Incrivelmente Perto...), mas aí a história toda é muito solitária, muito você e o papel, sabe? Em um show a coisa é diferente, é como se fosse uma satisfação coletiva, com todas aquelas pessoas fazendo coro e gritando de prazer, literalmente.

(Ouvindo Glória, do Tom Zé.)

No caso da Bjork, as músicas foram repletas de lembranças de casos passados, de eventos e de historinhas inesquecíveis dos meus twenty somethings. Saudosista até o último fio de cabelo, eu cantava o refrão de Joga, o tal do state of emergency, how beautiful to be, versos que sempre entendi muito bem e sempre achei incríveis, e que durante anos figuraram na mensagem de abertura do meu celular tijolão, só pra me lembrar que eu não devo ficar encostada no muro vendo o povo passar - a menos, é claro, que eu esteja saboreando infinitamente esse momento.

(Ever Fallen in Love, do Nouvelle Vague)

Depois do show, o que mais tem pra fazer? Eu estava morrendo de sono e feliz e satisfeita, e havia uma chuva que empurrava todo mundo pra baixo das poucas coberturas do local, e era uma guerra pra conseguir uma cerveja.
Fui pra casa. Quando a coisa ta no auge eu me retiro, que é pra não perder tempo com a decadência.

(Próxima: Essa passou, Chico Buarque)

Vida sonora

Durante toda a minha vida eu fui viciada em música. Lembro de pegar uns disquinhos da Rita Lee que eram da minha mãe e colocar pra tocar naquelas vitrolas infantis que já vêm com caixa de som, e quando você dobra elas viram uma maleta. E depois, um pouco mais velha, comecei a fuçar a coleção de vinis de jazz do meu pai, e assim descobri Janis Joplin, Ella Fitzgerald e Chet Baker. E ainda teve as fases college rock e guitar band, uma curta passagem pelo heavy metal e pelo punk rock, até chegar ao injustificável e polêmico bate-estaca. Hoje em dia eu misturo tudo isso e ainda acrescento samba e MPB. Imagino que o povo do SoulSeek que vasculha a minha pasta de mp3 deve me achar uma louca, considerando que bem ao lado do Daft Punk existe uma lista extensa de Chico Buarques de todos os tempos.

Durante todos esses anos, o walkman (com todas as suas variações) virou o meu melhor amigo. Outro dia roubaram o rádio do meu carro e eu entrei em desespero, porque sabia que não aguentaria uma horinha de engarrafamento sem ter com que distrair meus ouvidos e a minha cabeça, sempre pronta a pensar um monte de besteiras. Mas aí, a solução foi dirigir de fone, burlando qualquer tipo de lei de trânsito que me prive de ter prazer. Saquei o iPod que mora na minha bolsa e me mandei para os meus 35km diários a caminho do trabalho.

O problema é que, desde então, não consigo mais tirar os fones do ouvido. Sabe como é, a vida fica muito mais interessante. Hoje mesmo, depois do trabalho, tive que passar no insuportável supermercado estreito e mega cheio que existe na minha rua. Não tive a menor dúvida: aumentei o volume do LCDSoundSystem que reinava no mp3 player a ponto de cobrir aqueles ordinários sons externos da vida cotidiana, sabe como é? E fui procurar margarina, requeijão, leite, etc, morrendo de vontade de dançar pelos corredores estreitos do Zona Sul, transformando todos os movimentos da menina do caixa em coreografia de videoclipe, fechando os olhos de vez em quando para me transportar pra fora daquela fila de no máximo 15 ítens (mas que todo mundo engana) e pensando que, não tem jeito, a minha sina é pagar duzentos reais no ingresso do show dos caras no Circo.
Essa necessidade de ter a alma beijada nunca vai me permitir virar milionária.

Tuesday, October 23, 2007

Pseudo malandragem

Tenho uma grande amiga que está de malas prontas pra morar em Madri. O plano é fazer um doutorado - 4 anos, minha gente... - e voltar com a tese debaixo do braço. Se bem que eu acho que ela vai terminar o doutorado e arrumar um trabalho em alguma universidade madrilenha, e conhecer um espanhol bem gato e se casar e ter dois filhos lindinhos e espanhoizinhos, que irão chamá-la de madrecita. E acho também que ela vai ser bem feliz lá, e de vez em quando ela virá pro Rio no carnaval, enquanto eu vou ter que ficar um tempão juntando dinheiro pro poder visitá-la, porque vou continuar ganhando míseros reais que nada valem no Velho Continente.

Tenho uma outra grande amiga, a única que conheço precisamente desde que nasci (ela nasceu dia 29 de abril e eu 29 de agosto, olha que simpático) que resolveu morar na Austrália, e já avisou que de lá ela não volta nunca mais. Lá vou eu juntar mais e mais ridículos reais para comprar essa passagem de avião mega cara que é a Rio - Sidney - Rio só para poder rever a minha amiga do coração.
Deve ser por isso que tenho problemas de abandono.

Eu e essas duas meninas costumávamos passar juntas todas as tardes depois do colégio. Fazíamos vários tipos de merdas, tipo roubar o carro do pai de uma delas pra ficar dando voltas pelo bairro, ter a cara de pau de pegar um filme de sacanagem pra ver como é que era e ficar com nojinho das cenas (porque o filme era feito de várias situações, mas todas terminavam com uma mulher sendo comida por cinco caras ao mesmo tempo), ou fumar os primeiros baseados de uma série, hábito que se estendeu por alguns anos.

Existe também a história clássica do arrombamento do armário. Uma das minhas amigas ficava o dia inteiro sozinha em casa, sem família e sem empregada, e por isso aquele lugar foi escolhido como a base do nosso pequeno clube. E a gente passava o dia inteiro comendo leite condensado com nescau e vendo televisão e ouvindo música, ou qualquer outro tipo de eventos não produtivos do dia-a-dia. Estudar, só se fosse na véspera da prova, ou nas provas finais. O que a gente queria era falar bastante besteira e andar de carro por aí.

Mas aí, a madrasta dessa amiga percebeu que os víveres do mês estavam acabando cada vez mais rápido. Mal sabia ela que alimentava duas bocas extras. E a madrasta passou a trancar o armário da despensa.
Nós três achamos um absurdo. Mas logo descobrimos um jeito de arrombar o armário sem que ninguém percebesse. E continuamos enchendo nossas barrigas de brigadeiros e biscoitos recheados de chocolate. Não sei como não ficamos obesas.

Anos depois, descobrimos que o pai da amiga de quem roubávamos o carro sempre soube do nosso truque. Perecebeu por causa da quilometragem. E a madrasta também sabia dos nossos assaltos à despensa. Provavelmente também sabiam dos baseados, mas isso a gente deixa quieto, né?
A gente se considerava tão malandra! Bons tempos esses de adolescentes de subúrbio. Pelo menos a pseudo-malandragem ficou pra trás...
E adolescência serve pra isso mesmo. Pra fazer coisas que ficariam ridículas se a gente fizesse quando adultos.

Monday, October 22, 2007

Grupos que vão crescendo

Um dia desses eu estava conversando com um parisiense e ele me revelou a mais estranha mania dos franceses: a de não fazer novos amigos. A declaração se deu em meio a uma conversa sobre como ele chegou ao Rio de Janeiro conhecendo apenas uma menina, e saiu de lá com uma lista de novas amizades. E toda essa conversa aconteceu no apartamento dele em Paris, quando um grupo de brasileiros comemorava o ano novo com uma moqueca de peixe mega improvisada (imagina tentar achar os ingredientes corretos pra fazer uma moqueca em plena Paris! Tem que rolar uma licença poética, né...)

Segundo nosso amigo, os franceses - principalmente os parisienses - conhecem na infância o grupo com quem irão se relacionar o resto da vida. Muito raramente um ou outro membro é adicionado ao grupo original. E os programas de sábado à noite são jantares e noitadinhas básicas, mas nada de grandes festas de aniversário com amigos dos amigos convidados. É uma galera bem restrita, essa de Paris.

A história de David (o parisiense em questão) no Brasil foi a seguinte: ele chegou para trabalhar no Rio de Janeiro com apenas um contato na mão. Esse contato arrumou uma casa pra ele morar em Santa Teresa, onde moravam mais duas pessoas. Os dois roommates deram festas no apartamento do trio e apresentaram David para outros amigos. David arrumou uma namorada brasileira e se apaixonou por mais uma dezena de cariocas - embora continuasse fiel à sua namorada. Meses depois, quando ele já estava de volta à França, foi surpreendido com o email de uma das novas amizades do Rio, avisando que passaria o reveillon em Paris, e que ficaria hospedada na casa dele. Pois é, a nova amizade, no melhor estilo brasileiro de ser, avisou que se hospedaria lá - não esperou por nenhum convite. E foi com mais duas amigas. E recebeu visitas de mais um casal de brasileiros que estava hospedado em um hotel ali perto. E na noite de 31 de setembro, David se viu cercado de uma mesa com pessoas que ele havia conhecido há menos de um ano.

E ele ficou maravilhado. Porque isso não existe lá.

Os meus amigos são exatamente o contrário dos amigos do David. O povo que eu conheço há uns 15 anos gosta de agregar cada vez mais gente - embora, de vez em quando, exista uma certa má vontade em relação a alguns namorados e namoradas dos membros do grupo. Mas acho que isso é normal, né? Em determinadas situações, a preguiça social com os acompanhantes dos amigos é altamente justificável. Mas, de uma maneira geral, o meu grupo não é assim. Aliás, ele cresceu tanto que acabou englobando outros grupos, e tudo virou uma gigantesca bolha da amizade, sabe como é?
Tipo a Bolha Assassina. Só que trabalhando para o bem.

Wednesday, October 17, 2007

Recebendo gente em casa

Uma das situações mais legais de ter uma casa só sua é que você pode encher o lugar de gente. No último feriado fui surpreendida com a presença de um paulista e um argentino, amigos de uma amiga, que chegaram no Rio para passar o fim de semana e encontraram todos os albergues da cidade lotados. Chamei as figuras pra ficarem lá em casa, mesmo não tendo a mínima idéia de quem se tratavam. Poderiam ser duas malas, mas eu dei sorte: os dois eram bem bacanas e me fizeram passar dias mega divertidos.

O lance de receber convidados é que o ritmo fica acelerado. Em se tratando de paulistas (ou sub-paulistas, como é o caso do argentino que mora em SP), a coisa fica mais complicada, porque de repente eu tive que levá-los pra um milhão de eventos que tinham a cara da cidade maravilhosa. Não conseguimos ir à praia, mas fizemos noitadas memoráveis. E o resultado disso tudo é que eu fiquei doente na segunda-feira.

Quando a poeira baixa, o corpo pede arrego.

Na sexta à noite fomos para a casa de um amigo em Ipanema, e depois paramos em uma boate recém reformada, que eu há muito já tinha riscado da minha lista de lugares visitáveis. No sábado, fomos tomar café da manhã no Leblon, almoço em Santa Teresa e caímos na gandaia em Botafogo. Domingo ainda deu tempo de um passeio rápido pela Urca, e depois uma merecida soneca à tarde, antes que meus novos amigos encarassem a estrada. Depois que eles acordaram e foram embora, a casa ficou tão vazia e silenciosa que me deixou um pouquinho deprimida.

Mas não tem nada não. Dá próxima vez que eu for a Sampa, já tenho muitos lugares pra ficar. E, melhor do que isso, tenho novos amigos que já moram no meu coração. E que eles me esperem no próximo mês! To chegando de mala e cuia.

Monday, October 15, 2007

Muretinhas

Alguém pode explicar qual é a atração irresistível que os cariocas sentem por uma muretinha? Basta que exista um muro baixo, daqueles que ficam no nível certo pra gente sentar, que logo surge um grupo de amigos, uma cerveja de garrafa e uns copinhos de vidro estilo botequim. E o papo começa ali mesmo, e vai se estendendo noite adentro, e se você não tomar cuidado pode ver seu sábado à noite ir por água abaixo porque você passou o dia bebendo na mureta. É um problema sem solução. Uma vez que se chega à muretinha, ninguém mais sai.

A maldição da muretinha me pegou na quinta passada. Como era véspera de feriado, já tinha traçado uma programação incrível que incluía lançamentos de livros, festas com gente interessante, noite com destilados e pouca ressaca no dia seguinte. Só que, chegando do trabalho, me deparei com um amigo que bebia cerveja na mureta da praça da minha rua. Resultado: parei por ali, com bolsa mega cheia de material de produção a tiracolo, e me deliciei com um copinho do que os paulistas chamam de breja.

E o copinho chamou mais um, que chamou outro, que chamou uma nova garrafa. Eu esperava uma amiga chegar de São Paulo, e ficava me repetindo que, quando ela chegasse, eu ia pra casa tomar um banho, jantar, fazer uma maquiagem legal - todas essas coisas que as pessoas normais fazem antes de cair na noite.

Mas a minha amiga chegou e eu continuei lá. E daí que a gente foi parar em Santa Teresa, e depois em um bar de Laranjeiras, e eu dei adeus ao meu programa de destilados e festas de lançamento de obras literárias.

A minha mureta preferida é a que fica em frente ao Bar Urca. Esse ano descobri que existe um verdadeiro séquito do muro da Urca, gente que passa o fim de semana inteiro comendo pastel e curtindo uma das vistas mais bonitas do Rio de Janeiro. Tem gente que leva cadeira de praia e fica ali na calçada, mas eu, tradicionalíssima, prefiro descansar o bumbum na base de pedra. Não é muito confortável, mas é mega carioca.

Nesse feriado, recebi em casa dois paulistas e um argentino. Passei três dias tentando levá-los na muretinha da Urca, mas ninguém me deu ouvidos. No último dia, tentamos almoçar no Bar Urca que, obviamente, estava lotado. Fomos embora sem aproveitar a tarde totalmente decepcionados. Mas os paulistas já avisaram: na próxima viagem ao Rio, aquele murinho será prioridade.

A mureta do Bar Urca também já foi responsável pelo fim de um sábado à noite - mas dessa vez eu nem reclamo, porque foi realmente uma tarde bem legal. Quer dizer, eu reclamei um pouquinho na hora, mas agora já nem me lamento tanto. Às vezes é uma opção sábia trocar a luz do estrobo pela luz do sol.