Friday, February 27, 2009

Soul Bar

Eu andava levíssima e alegreinha de vinho espanhol, flutuando pelas Ramblas e me sentindo incrivelmente bem por estar em Barcelona, em pleno sábado à noite, na zona mais movimentada da cidade. Eu queria conhecer as pessoas e dançar qualquer lugar que tocasse soul, ou jazz, ou whatever, e então fomos parar em um bar - adivinhem - chamado Soul Bar. Coisas que só acontecem em viagem. Estava escrito na filipeta que ali se ouviam os estilos que eu queria ouvir, e ainda Bossa Nova, e eu nem acreditei nisso. Mas depois que entramos, era verdade: tocaram lá umas músicas da Elis Regina, e alguma coisa do Jorge Ben.

Com Jorge Ben eu me levantei pra dançar, enquanto o bar inteiro ainda estava sentado. Era pouco mais de meia-noite, e o público ainda estava chegando, mas eu não estava muito preocupada. Era Barcelona, e era sábado à noite, e foi tudo o que eu precisava pra levantar e começar a sambar. Uma menina que estava com o namorado se levantou e sambou comigo, e eu perguntei no meu espanhol intragável como ela havia aprendido, e ela explicou: minha mãe é brasileira. Quando a música terminou, sorrimos uma pra outra e voltamos aos nossos lugares, sem a menor necessidade de fixar um papo frouxo em nome da simpatia.

Depois desse dia, tentamos em vão achar de novo o Soul Bar. Percorremos as ruas medievais, estreitas e muito iguais que formam o Bairro Gótico, mas parecia que a gente só andava no mesmo quarteirão, sem nunca chegar a lugar nenhum. E nada do bar aparecer. Parece que naquele dia se abriu um portal e de lá saiu o bar/boate, sumindo novamente com o nascer do sol do dia seguinte. Um bar bissexto, ou um bar-Harley, que só aparece de tempos em tempos pra fazer uma ruiva de farmácia feliz.

Wednesday, February 18, 2009

Ninguém esperava a Inquisição Espanhola

Andei por Barcelona sozinha à procura de um café com leite, minha bebida preferida naqueles tempos de poucos graus positivos. Achava bom porque em quase todos os lugares era permitido fumar, e com isso eu podia me sentar em uma mesa protegida do frio, pedir a minha xícara e acender um maço de Pall Mall azul. Esse era o plano: ficar sozinha em ruas estrangeiras, em paz pelo menos uns minutinhos, conversando com estranhos no pior espanhol de todos os tempos e esquecendo que, dali a pouco, eu teria que exorcizar mais uns demoninhos diários. Foi uma tradição espanhol, exorcizar demônios. Ninguém esperava a Inquisição Espanhola!

E aí eu passei naquele café que ficava bem ali na rua do meu hotel, e tinha um paquistanês e ninguém mais. A máquina de cigarros estava com um aviso de "No Cigarrillos", mas era mentira. Depois me explicaram que os donos dos cafés faziam isso pra que os adolescentes não conseguissem comprar cigarros - e lá essa lei se cumpre, em detrimento de tantas outras.

Me sentei ao balcão e pedi o café com leite, comprei um maço e aspirei a nicotina com aquela vontade de primeiro cigarro do dia. Só quem é fumante entende. O paquistanês enxugava uns copos, e como só eu e ele estávamos ali, me senti na obrigação de conversar com ele, nem que fosse pra quebrar o silêncio.

Naquele dia, eu estava muito triste. Quando estou triste, as coisas mínimas me chamam a atenção: risadas e objetos coloridos, crianças agasalhadas que nem um embrulho de roupas e também histórias de estrangeiros imigrantes. E foi então que eu conversei com o paquistanês do café.

Ele disse que no país dele faz 45 graus no verão. E que ele tinha chegado a Barcelona há seis meses, portanto aquele era seu primeiro inverno lá. Ele era gentil e servil, como eu também sou muitas vezes, e eu não pude deixar de pensar que o dono do café deveria pagar um salário bosta praquele cara, só porque ele era bonzinho. Eu contei que no Brasil os verões são de 40 graus, e o inverno no Rio raramente passava de 20. Depois comentamos como estávamos sofrendo com o frio espanhol, e às vezes se erguiam silêncios que eu ou ele quebrávamos com algum assunto morno.

Meu café terminou e eu me despedi e ele me desejou boa sorte com o frio e eu pensei:"ah, que se foda, eu sou uma pessoa legal!", porque eu já tinha dúvidas se realmente era, e vesti minha luvas e encarei o frio da rua e o caminho de volta pros meus demônios e suas inquisições.

Monday, February 16, 2009

Tem coisas que acabam depois dos 30

Tenho a sensação muito forte de que algumas delícias gastronômicas acabaram pra mim, a essa altura da vida. A batata frita, por exemplo, é um entupidor de veias que há muitos anos foi deixado pra trás. Se tem batata frita no prato do restaurante, peço pra trocar por uma saladinha. É meio triste, mas é real: não há molho ceaser que substitua a fritura deliciosa daquelas tirinhas de batata.

Outro ítem que já era: torta de chocolate. Prefiro pensar que elas nem existem, que ninguém nunca inventou. Me contento em admistrar o meu vício em cacau com ridículas barrinhas de cereal. Obviamente, não é a mesma coisa. Eu preferia mil vezes chafurdar em uma bacia de chocolate amargo derretido.

Chega uma hora na vida da gente em que as opções não se apresentam como escolhas, mas como ruas sem saída. Se for ´por ali, fudeu. E por ali também. Só resta uma avenida, bem larga, de pista dupla, pra você seguir em frente. O problema é que pra encarar essa via, só enchendo com muito azeite e sal. No mínimo.