Friday, March 30, 2007

Os diários de Jack

É até covardia ler os diários de Jack Kerouac quando se está às portas dos trinta anos. Quero dizer, chega a ser meio cruel observar como esse menino, na época com apenas 26 anos, se esforça para escrever seu primeiro romance, The town and The City. São longas noites de trabalho com alguns milhares de palavras escritas, madrugada por madrugada. E depois relidas. E depois datilografadas. É uma correção que não tem fim, um aprimoramento quase doentio. E eu morro de inveja.

Mas o livro “Diários de Jack Kerouac – 1947- 1954” marca a minha volta a narrativas que fazem pensar. Não dá para sair ilesa das coisas que ele diz, do que ele pensa da vida. Kerouac era um cara que não parava de pensar em nenhum momento, e que gostava de dar longas caminhadas para poder refletir melhor. Ele não se permitia descansar nunca, a não ser quando encontrava os amigos beats no sábado à noite, e enchia a cara em alguma festinha de apartamento, ou então quando levava a mãe ao cinema, nos anos que se seguiram à morte do pai. No resto do tempo, pode apostar: Jack estava solitário, fumando um cigarro, caminhando quilômetros, andando e pensando.

Outro dia ele escreveu que sua vida era uma longa sucessão de dúvidas, e que isso o deixava satisfeito. Eu fiquei totalmente extasiada, porque meu maior problema sempre foi buscar respostas, quebrar a cabeça tentando achar uma lógica, uma linha de pensamento que justifique o acaso. Até que chega Jack e diz: prefiro as dúvidas, e de repente eu me vejo também preferindo dúvidas a afirmações forçadas, enfiadas goela abaixo. Até porque as dúvidas, uma hora ou outra, se solucionam sozinhas. O segredo está no que eu nunca aprendi: em deixar rolar.

Em tempos de viagem, quando depois de um longo dia de trabalho o que me resta é um quarto de hotel compartilhado, os livros têm me salvado de muitos momentos de falta de paciência e solidão. Foi dessa forma que li em menos de um mês dois livros consideravelmente grandes, saboreando cada história entre as escalas dos vôos loucos que eu pegava. Mas outro momento também me enche de prazer, que é aquele momento em que saímos para procurar novos livros, porque já acabamos com o volume que tínhamos em mãos. É um momento delicioso, mágico, cheio de dúvidas que acabam se solucionando, como todas as outras.

Encontrei Jack em um shopping horrível de Porto Alegre, onde só havia livros de auto-ajuda. Mas ele estava ali, filho único de mãe solteira, me esperando embaixo de volumes de “Faça seu dinheiro render” e “Inteligência emocional”.

Agora durmo com Jack nos braços.

3 comments:

Adriana said...

Bruna,
que delícia ler teus textos! Fiquei tão animada que até iniciei um blog:www.adriana-nana.blogspot.com (tá no comecinho...)
Posso te dar uma sugestão de leitura?
"Memórias, sonhos e reflexões", de Carl Gustav Jung. Estou lendo e amando. E está bem dentro do que tens procurado. Espero que gostes!
Bjs, Nana.

maybe said...

Efeito Bruna em Sp foi ótemo. Esse efeito poderia ocorrer mais vezes por aqui né? hehe... adorei o texto... tá indo bem nessa difícil tarefa de... (vc sabe o quê). Eu no momento estou sendo acometida por uma crise de insônia. Agora prefiriria um Rivotril do que um Jack hehe. Beijos!

Flavio Cond said...

"As dúvidas são mais cruéis do que as duras verdades" - Moliére

mais uma: Pró-Jack ou Prozac? eis a questão..

bjs