Thursday, August 12, 2010

Conversando com estranhos

Carrego sempre na bolsa um livro emergencial pra momentos de espera. Não suporto ficar vendo as horas passando sem conseguir ocupar essa cabeça tão cheia de conversa mole que é a minha. Até em fila de banco to eu lá em pé e de volume aberto nas mãos. É uma maneira de não me irritar com pessoas que ficam muito coladas em você, ou que demoram a dar aquele passinho a mais quando a fila anda.

Os livros de bolsa também servem para evitar a conversa com estranhos ávidos por trocar experiências. Acho que fiquei traumatizada anos atrás, quando voltava da faculdade no 750 lotado das 7h da noite. Sentei ao lado de uma senhora que me contou tudo, com detalhes, sobre suas doenças ginecológicas: miomas, úteros arrancados, sangramentos. Nunca foi tão longa a volta pra casa.

Mas recentemente andei pensando que até que as pessoas têm boas histórias pra contar. E que, se eu queria contar casos, deveria começar também a ouvir. E aí um dia me dei essa chance, enquanto esperava o carro voltar da revisão da concessionária.

Eu estava com o famoso livro de bolsa nas mãos quando um senhor nos seus 60 e poucos puxou conversa. Fechei o livro e escutei o homem falando do carro, da casa em Búzios, do síndico do condomínio em Búzios, e da filha dele que morava em Portugal e com quem ele não encontrava há 5 anos. (Aliás, ele puxou papo comigo porque me achou parecida com ela).

Argumentei que ele deveria fazer uma visita a ela, e aproveitar para passear por Lisboa. Ele me disse que em 2009 chegou a comprar a passagem, mas teve um problema no embarque e depois disso nunca mais tentou viajar de novo.

Ele parecia triste com isso, e acabou me confidenciando por que nunca mais tinha viajado para a Europa. Acontece que ele chegaria em Lisboa por um vôo Rio - Paris, com escala em Portugal. Mas no momento do embarque, os policiais encrencaram com o passaporte argentino dele, dizendo que ele deveria ter um brasileiro, já que tinha dupla cidadania. Não o deixaram embarcar.

O homem voltou pra casa arrasado, comeu alguma coisa e foi dormir. No dia seguinte, ligou a TV e sentiu o coração fraquejar. Seu aviaão Rio - Paris havia caído quando saía do Brasil. Era o vôo 447 da Air France.

No momento em que ele me contou isso, joguei o livro dentro da bolsa. Apenas três pessoas haviam sobrevivido ao desastre - três passageiros que não tinham embarcado - e eu estava diante de uma delas. O homem disse que nunca contou para a filha porque não foi a Portugal, e confessou que desde então não teve coragem de encarar um avião.

Ainda penso nessa conversa e tento imaginar qual é a sensação que existe quando se descobre que não morreu. Alívio imediato, provavelmente. Crença em Deus ou em um poder supremo que governaria o mundo. Medo da morte.

Contei para duas pessoas a história do homem da concessionária. Meus ouvintes se surpreenderam, mas nem de perto sentiram o mesmo que eu senti no momento em que ouvi a história. Talvez eu não tenha feito a mesma expressão ou não tenha usado as mesmas palavras que o homem. Mas com certeza a falta foi minha.

1 comment:

Anonymous said...

Fi1quei arrepiada... as vezes é um pé no saco ouvir conversa mole de pessoas em onibus ou filas, mas é muito bom quando o papo é gostoso ou emocionante - como o seu com esse senhor- também levo sempre comigo um livro e meu mp3.